NOVO TEXTO PARA TERCEIRÃO MATER DEI / PLATÃO
FOLHA DE LONDRINA – CRÉDITO
02/05/2017
BULLYING, os adolescentes no centro das agressões
Relatório internacional mostra que um em cada dez estudantes é vítima frequente de intimidação nas escolas
Duas situações recentes trouxeram o tema bullying novamente ao topo das discussões. Primeiro, a série do Netflix, “13 Reasons Why”, que estreou há quase um mês, mostra a história de Hannah Baker, uma adolescente que, antes de cometer suicídio, envia fitas a pessoas que supostamente tem a ver com sua morte. A personagem chega a esse extremo em decorrência de uma depressão motivada por vários aspectos emocionais negativos e agressões sofridas principalmente no âmbito escolar. A trama ainda trata de outros assuntos como distanciamento dos pais, abusos sexuais, questionando os papéis da família, amigos e escola. A série ganhou grande repercussão, inclusive, nas redes sociais com a campanha #NãoSejaUmPorque, na qual pessoas compartilham suas histórias de depressão e bullying.
Uma semana depois, a divulgação de dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa 2015) revelaram que, no Brasil, aproximadamente um em cada dez estudantes é vítima frequente de bullying nas escolas. O relatório é baseado na resposta de adolescentes de 15 anos que participaram da avaliação. Com base nos relatos dos estudantes, 9% foram classificados no estudo como vítimas frequentes de bullying, ou seja, estão no topo do indicador de agressões e mais expostos a essa situação. São adolescentes que sofrem agressões físicas ou psicológicas, que são alvo de piadas e boatos maldosos, excluídos propositalmente pelos colegas, que não são chamados para festas ou reuniões.
Diante desses números preocupantes de casos que se repetem ano após ano, sobretudo com o poder da tecnologia com o cyberbullying, em 2015, foi sancionada a lei que instituiu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, também conhecida por lei antibullying, em todo o território nacional, cujo objetivo é prevenir e combater a prática de bullying no País, principalmente nas escolas. Também está no rol de finalidades da lei “promover a cidadania, a capacidade empática e o respeito a terceiros, nos marcos de uma cultura de paz e tolerância mútua” e “evitar, tanto quanto possível, a punição dos agressores, privilegiando mecanismos e instrumentos alternativos que promovam a efetiva responsabilização e a mudança de comportamento hostil”.
COMBATE E PREVENÇÃO
Mas, na prática, o que realmente tem sido feito para minimizar esse problema, já que, atitudes que levam à humilhação e agressão física e psicológica entre crianças e adolescentes no âmbito escolar não é uma situação nova? “Tempos atrás, e ainda muitos se apoiam nessa concepção, o bullying era visto como “brincadeira de mau gosto”, “chacota”, “zoação”, “coisa de criança, de jovem”. Hoje é um avanço compreendermos esses fenômenos como não naturais, como experiências socioculturais transmitidas e construídas com níveis diferentes de violência, de intolerância e preconceito étnico-racial, de gênero, social, religioso etc”, diz a pedagoga Raquel Franzim, co-coordenadora do o Programa Escolas Transformadoras, iniciativa da Ashoka que no Brasil é co-realizado pelo Instituto Alana.
De acordo com Raquel, ninguém nasce propenso a fazer bullying com os outros. “Isso se aprende nas relações familiares, sociais, escolares, no ambiente de trabalho, pela comunicação. Não há apenas um aspecto apenas que leva crianças, jovens e adultos a se relacionar sistematicamente utilizando a intimidação, a ameaça, a humilhação, a falta de empatia e compreensão sobre a diferença do outro. Mas, se crianças e jovens podem aprender a praticar bullying, eles também podem aprender a cultivar a empatia e tantos outros valores importantes como respeito, a tolerância, a cultura de paz nas relações com os outros”, completa a pedagoga, defendendo que, para isso, as escolas e as políticas educacionais precisam apoiar projetos político-pedagógicos que considerem outros aspectos do desenvolvimento humano na formação de crianças e jovens além do conteúdo programático.
Uma das frentes do Programa Escolas Transformadoras, é promover o engajamento de escolas, especialistas de educação, empreendedores sociais, jornalistas e formadores de opinião em ações como rodas de debate, publicações que discutem esses temas e meios de transformação. “Não adianta nada um plano de combate ao bullying ser construído sem a escuta, a participação e o protagonismo vivo dos estudantes. De quem vive e passa por isso.” Para ela, crianças e jovens que sofrem bullying não podem ser vistos apenas como vítimas, mas também como os verdadeiros agentes da transformação. “O que crianças e jovens têm a dizer e a construir de soluções sobre práticas de bullying? Por isso, é comum a essas escolas transformadoras o reconhecimento e promoção do protagonismo dos estudantes: não apenas escutam o que tem a dizer as (o que já é um grande passo), mas potencializam suas agências de resolver problemas, conflitos de suas próprias vidas e da vida dos outros, da comunidade e porque não do país.”
INFLUÊNCIAS NEGATIVAS
Doutora em Antropologia e mestre em Educação Adriana Friedmann, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Simbolismo, Infância e Desenvolvimento, lembra que quaisquer práticas de bullying (verbais, físicas, sexuais, de exclusão, ofensivas, de falta de ética) tem absoluta influência tanto no que se refere às dificuldades com concentração, desempenho escolar, insegurança, não integração nos grupos; quanto, e sobretudo, no desenvolvimento psíquico e equilíbrio emocional. “Introversão, insegurança, falta de comunicação, medo, depressão, agressividade, auto mutilação (nas mais diversas formas), são algumas das consequências deste mal que afeta um grande e crescente número de crianças e jovens”, explica.
A fim de prevenir e minimizar os impactos dessas ações, ela recomenda que as escolas, seus gestores e educadores, passem a se apropriar de algumas ferramentas que tragam consciência e aceitação das diferenças nos diversos grupos, adequando os conteúdos veiculados, não somente às diferentes faixas etárias como também às diversas realidades ou potenciais motivos da prática do bullying – físicos, comportamentais, sexuais, raciais, religiosos, culturais etc. “Pode se dar por meio de dinâmicas de integração e conhecimento dos pares, pesquisas auto biográficas, na comunidade, em outras culturas, visitas a exposições que tratem o tema da diversidade, documentários, debates, palestras etc. Trabalhar para diminuir os episódios de bullying não passa somente pela escola, mas tem que se tornar um objetivo integrado junto às famílias e à comunidade. É uma questão cotidiana, da convivência permanente dos diversos grupos.”
Marian Trigueiros
Reportagem Local